NÓS SOMOS MUITAS

Não poucas vezes me perguntei, lendo Nós somos muitas, por onde Pedro gostaria de me conduzir. Ou ainda, onde ele gostaria de chegar. Não por conta do caminho ou da paisagem, tampouco pela pressa em aportar. Mas as perguntas vieram por conta da capacidade do autor em ser um hábil guia dos meus olhos — e estou certo que de outros — sendo gentil na conduta, nada enfadonho nas descrições e hábil em esconder suas intenções.

Pulsa a vida neste livro, e ela se mostra de fato tudo, menos uma linha reta. Uma síncope, ou síncopa? E o pulso, essa unidade mínima do som, reverbera em seus efeitos de onda, de retornar continuamente a temas que nos levam à literatura e ao cinema, à dança e a uma visita a um campus universitário, a projetos políticos presentes em obras literárias e peças sinfônicas cheias de filosofia, num país que de repente se desfaz, quando parecia querer se erguer de um longo passado de iniquidades. Há uma pulsão de vida tão presente nas palavras de Pedro, envolvendo-nos em suas experiências entre linhas, entre parênteses, à deriva do caminho.

Esta vida pulsante numa escrita que atravessa pouco mais de uma década, pelas pistas que oferece aqui e acolá, chega ao público num momento em que o mundo se viu em suspensão, parecendo ser mais perigoso que nunca tocar, encontrar, afetar. “O pulso ainda pulsa” escreveu há anos o poeta titã. É inspirador pensar que ainda sim, afirmando essa Vita em cenário tão inóspito e adverso. E Nós somos muitas reafirma isso tantas vezes, a começar por seu título de desafio, de altivez altissonante migrante, de um eu coletivo que é tratado geralmente como indesejável. O pulso, em onda, atravessa o tempo e o espaço neste livro que é de muitos, que mescla sons e imagens, que nos coloca em salas de concertos, em pensamentos peripatéticos pelos centros de cidades, trilhados em metrôs, em paisagens sonoras e sociológicas várias. Em sentimentos compartilháveis entre Arto, Strauss, Caetano, Oiticica, Zé Celso, Piglia, Hatoum, Daniela Thomas ou entre visitantes de uma exposição com medo de contágio. Há uma legião aqui. Pedro nos conduz generosamente por corpos, fantasmas e sombras, tão cheios de escuta, olhar, fala, dança; por inconscientes desejosos numa vida que se nega a cessar, em moto-contínuo, mesmo quando as forças históricas, as resistências sociais ou os próprios corpos dos sujeitos se negam a continuar. Mesmo em cenários tão adversos. O pulso ainda pulsa e Nós somos muitas, para continuar. Obrigado, Pedro, por nos lembrar.

Mário Medeiros